Scopcræft: Técnicas da antiga poesia anglo-saxã

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Versos iniciais do poema Widsith


Os anglo-saxões, colonos vindos da Holanda, Dinamarca e Alemanha que colonizaram a Grã-Bretanha depois da partida romana em 410 da Era Comum, deixaram para trás uma literatura poética composta em inglês antigo. Apenas uma quantidade limitada de poesia anglo-saxônica permanece, uma vez que os primeiros escribas cristãos a consideravam obra de pagãos, dos quais cerca de 30.000 versos chegaram até nós. Destes, alguns exemplos clássicos sobreviveram, no entanto, para estudar e inspirar aqueles que desejam escrever sua própria poesia no estilo anglo-saxão.

Espiritualmente falando, a poesia possuía grande importância no dia-a-dia e vida religiosas antigas. Um scop (poeta) era um profissional renomado na arte de contar histórias, e ao mesmo tempo responsável pela preservação da cultura, a qual era transmitida de forma oral.

Observação: para os interessados em poesia dos skalds da Escandinávia, estas são as mesmas regras gerais básicas usada pelos nórdicos da Era Viking, a métrica málahattr.



No vídeo, poema anglo-saxão "Wulf ond Eadwacer" apresentado em inglês antigo.

Características formais da poesia anglo-saxã


Embora a concepção moderna da poesia em português se se concentre no uso de versos de métrica decassílaba, padrão de repetição de sílabas tônicas ou ritmo e rimas finais, a poesia anglo-saxã se baseou na principalmente na aliteração. 

Aliteração

A aliteração descreve o uso repetido do mesmo som consonantal na sílaba tônica das palavras. Na poesia anglo-saxã, geralmente a aliteração aparece no começo das palavras, como em “oft Scyld Scēfing” (Beowulf), onde o som /ʃ/, uma consoante fricativa pós-alveolar surda representada pelo dígrafo sc (é o som que encontramos no ch inicial da palavra “chato”) se repete.

Exemplo em português moderno:
Na grande guerra ...
Já que em inglês antigo a sílaba inicial era comumente a sílaba tônica ou mais longa, isso destacava o efeito de repetição. Em idiomas germânicos esse recurso é um pouco mais fácil de se reproduzir na atualidade, como na frase em inglês moderno “Sailor Sam sailed the seas”. Não é todavia impossível em línguas latinas.

Vale destacar também que graças a irregularidades na evolução da escrita, muitas vezes um som é representado por letras diferentes. O que importa é o som, não as letras, assim como na escrita usando runas.

Exemplo em português moderno:
Queria ela a casa ...
As linhas individuais se dividem em dois segmentos de duas sílabas cada, separadas por uma forte pausa ou césura. Na métrica mais comum, geralmente cada césura possui duas sílabas tônicas. Após a pausa, a primeira sílaba tônica da segunda césura deve ser uma aliteração com alguma das sílabas tônicas que apareceram na primeira césura.

Exemplo em inglês antigo:
Oft Scyld Scēfing      sceaþena þrēatum
Repare que sceaþena, a primeira sílaba da segunda césura, alitera com Scyld Scēfing, na primeira césura, isto é, possui o mesmo som consonantal em sua sílaba tônica.

Exemplos em português moderno:
Na grande guerra     ganha ele respeito.
Uma força incomum     os faz recuar
Geralmente as césuras são indicadas por um espaçamento maior ou por uma "|" entre elas, em alguns casos ainda sendo omitidas. Os poemas anglo-saxões não tinham restrições de tamanho e podiam se estender a centenas ou milhares de linhas.

Kennings


Por fim, em vez de metáforas ou analogias, os poemas anglo-saxões usavam figuras de linguagem chamadas kennings. Um kenning substitui uma palavra por outras duas palavras hifenizadas (isso em português moderno geralmente exige a preposição "de" entre as palavras), como em “battle-sweat”, "suor de batalha", por sangue. Na poesia antiga esses kennings via de regra eram palavras únicas formadas como um composto, um efeito que gramaticalmente ainda existe em línguas germânicas modernas, mas não no português dos dias atuais.

Exemplos:
Sono da espada = Morte
Aquele que quebra anéis = Rei ou chefe tribal
Importância da mente = Honra
Estrada das baleias = Mar, Oceano
Vela do céu = Sol
Jóia do céu = Sol

Assunto


A poesia anglo-saxã que sobrevive centra-se em temas heroicos, fantásticos ou religiosos.

Os anglo-saxões organizaram-se em tribos, com um chefe tribal e uma estrutura central comunitária que forneceu uma base para a ordem social.

Poemas anglo-saxões como Beowulf celebram as realizações heroicas de líderes poderosos e retratam os medos e objetivos da sociedade tribal. Esses líderes lutam contra criaturas fantásticas, como Grendel, por exemplo, que podem representar forças naturais, como a doença e a seca que arruinaram a sorte de um povo agrícola.

Alguns poemas anglo-saxões, como Caedmon, refletem temas cristãos espalhados por toda a Grã-Bretanha através dos esforços dos primeiros missionários.


Dicas de escrita


A poesia anglo-saxã é dirigida por enredos, portanto, um escritor deve começar com uma concepção clara de seu assunto.

Em outras palavras, deixe sua imaginação elaborar a história e depois refine e desenvolva sua narrativa através do ato de composição. Para os seus kennings, esforce-se para criar suas próprias imagens originais, porque os dispositivos literários reciclados diminuem o impacto de um trabalho, com exceção de kennings aplaudidos e amplamente conhecidos como "estrada das baleias".

Leia cada linha em voz alta, já que a vocalização da prosa e da poesia pode revelar problemas com sintaxe e fraseado. Não pense demais no seu primeiro rascunho, e tente acima de tudo por material no papel. Depois de ter algo para trabalhar, você pode revisar até que seu poema seja lido como um conto autêntico da glória anglo-saxã, seja nos dias antigos, seja nos dias atuais.


Exemplos Inspiradores

O mais significativo poema do inglês antigo, Beowulf, apareceu por volta de 1000 da Era Comum e contém muitas das características da literatura anglo-saxã. O poeta irlandês contemporâneo Seamus Heaney fez uma tradução aclamada que evitava a métrica anglo-saxã em favor da arte, o que o torna uma escolha ideal para o escritor em busca de inspiração temática.

O Andarilho
(The Wanderer), escrito por escribas cristãos no século X, inspirou a J.R.R. Tolkien, o autor de O Senhor dos Anéis. O Andarilho apresenta um retrato da sociedade medieval e da guerra, e também mostra a influência do cristianismo sobre o povo anglo-saxão. Outros exemplos clássicos de poesia anglo-saxônica incluem O Sonho com o Pilar (Dream of the Rood), A Batalha de Brunanburh, O viajante marinho (The Seafarer) e A batalha de Maldon (The Battle of Maldon).

Leia mais


O sonho com o pilar
O andarilho
A batalha de Brunanburh
O encantamento das nove ervas
Beowulf (em inglês)

Referências


Matus, Douglas. How to Write an Anglo-Saxon Style Poem.<http://penandthepad.com/write-anglosaxon-style-poem-7881066.html>.
Cyr, Jon. Skald craft: A practical guide to understanding and writing poetry in the Old Norse meters. In Odroerir: The heathen journal. Vol. II August 2014. <http://odroerirjournal.com/download/Writing%20Poetry%20in%20Old%20Norse%20Meters-%20Jon%20Cyr.pdf>.
Anônimo. Beowulf. <https://www.heorot.dk/beo-intro-rede.html>

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