Juramentos e Promessas

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Um dos pilares da mentalidade pré-cristã inglesa certamente foram os juramentos e promessas. Numa época em que a escrita tinha um uso bastante restrito e qualquer tecnologia de registro posterior era inexistente, a palavra verdadeira ocupava um local central, sagrado em seu próprio direito, enquanto a mentira era abominada: ne beo þu no to tælende, ne to tweospræce, "não seja caluniador nem tenha duas palavras", é o que se diz no poema Preceitos (Precepts), e um juramento ou promessa é um processo essencial que visa transformar palavras em outro construto inteligível, a "verdade".

Também dentro do direito dos primeiros ingleses encontramos sinais disso. Mesmo com a conversão e introdução da escrita em papel ou folhas, o uso da palavra falada permanecia como central para a maior parte da população. Pares de palavras como wedd and āþ (promessa e juramento) adquiriram um valor verdadeiramente ritual na linguagem legal mesmo após a conversão: no código legal do rei Ælfrēd, lemos que æt ærestan we lærað, þæt mæst ðearf is, þæt æghwelc mon his að and his wed wærlice healde, ou seja, "em primeiro lugar, ensinamos que é altamente necessário que cada homem seu juramento e promessa verdadeiramente mantenha".

Para entender isso melhor, precisamos ir mais a fundo no que esses dois conceitos significam:

  • Promessa (wedd): refere-se ao pronunciamento de um discurso sobre algo que se visa fazer, isto é, ela é promissória (Ex: eu prometo que vou..).
  • Juramento (āþ): refere-se ao pronunciamento de um discurso sobre algo que visa confirmar-se que foi ou não feito, isto é, ele é assertório (Ex: eu juro que fiz...) [1].

A diferença entre eles não é totalmente sem exceções entre os anglo-saxões, e mesmo nos dias atuais comumente "promessa" e "juramento" são indiscriminadamente intercambiáveis. Todavia, manteremos aqui a distinção para explicar melhor o funcionamento de cada um deles dentro da cultura heathen anglo-saxã, pois ambos possuíam características e implicações diferentes, na maior parte dos casos.

A palavra inglesa antiga wedd (promessa), vem do germânico comum *wađjan, ligado ao grego οἶτος (destino), e dá origem a termos como o inglês moderno wedding (casamento) [4]. Foi todavia substituída no período médio da língua inglesa pelo francês antigo plege, origem da atual palavra para "promessa", pledge [6]. Já a palavra para "juramento", oath, reteve sua origem, vindo de āþ, no inglês antigo, que vem de *aiþaz na língua germânica comum, e está ligado ao latim vas (fiança, segurança) [4]. Dito isto, já percebe-se a diferença inicial do caráter dos dois conceitos, embora também sua ligação.

Todavia, como resultado da natureza complementar dos conceitos de "juramento" e "promessa" e o quanto são fundamentais para o processo legal, o par de palavras āþ e wedd passa a ser usado, majoritariamente por Wulfstān, para significar metonimicamente todas as interações legais e, por extensão, o dever de cumprir obrigações sociais e legais. Ele foi estabelecido como um par de palavras formulaico, do qual o desenvolvimento pode ser traçado através de sua ocorrência em códigos legais através do período anglo-saxão [1]. Ælfrēd, no entanto, declara que se um homem tiver sido forçado por meios ilegais a fazer um juramento ou promessa que possa significar traição do seu hlaford (senhor) ou ser cúmplice de um crime, é preferível que se quebre tal juramento ou promessa (a traição ou desobediência ao cyning, por exemplo, custava 120 xelins e a perda da amizade, o que era ainda pior).

A promessa de lealdade era uma das formas mais comuns de wedd. Existem relatos de como ela funcionava:

"Na quinta-feira, sete de abril, homenagens foram novamente prestadas ao eorl. Eles primeiro o homenagearam da seguinte forma: o eorl perguntou se ele queria, sem ressalvas, tornar-se um de seus homens, e ele respondeu 'eu quero'; então com as mãos juntas envolvidas pelas mãos do eorl, eles tornaram-se aliados através de um beijo. Em segundo lugar, aquele que prometeu lealdade fez sua homenagem ao porta-voz do eorl com estas palavras: 'Eu prometo que eu serei fiel de agora em diante ao Eorl Wilhelm [de Flanders], e eu vou observar com integridade meu respeito a ele contra todos com boa fé e sem traição'. Em terceiro lugar, ele prometeu de maneira similar sobre relíquias de santos" (Galbert de Bruges, De multro, traditione et occisione gloriosi Karoli comitis Flandriarum).
Neste relato, além das palavras usadas para prometer, nós encontramos boa parte da ritualística em torno da promessa, inclusive a parte que aparentemente é cristã:

  • linguagem corporal, especialmente das mãos e dos joelhos
  • beijo
  • as palavras da promessa em si
  • os objetos sob os quais se valida a promessa

Sobre a linguagem corporal, vemos paralelo em primeiro lugar com a poesia heroica anglo-saxã, onde após perder o seu dryhten e ser exilado, o poeta, em viagens marítimas tem um sonho onde:
"Þinceð him on mode     þæt he his mondryhten
clyppe ond cysse,     ond on cneo lecge
honda ond heafod,     swa he hwilum ær
in geardagum     giefstolas breac" (The Wanderer).

(A ele parece em sua mente que ele seu amado dryhten abraça e beija, e aos joelhos jaz, como as mãos e a cabeça, como ele antes por vezes fazia em dias de outrora, beneficiando-se do trono de presentes).
Claramente então percebe-se que a união de mãos e/ou genuflexão perante o receptor da promessa de lealdade eram aspectos essenciais do ritual de juramento. O beijo também aparece com uma função ritual, e isto é nada estranho. Comumente pela poesia inglesa antiga encontram-se referências ao dryhten como "amado", e referências a um tipo de amor entre senhor-servidor também. Ou seja, a relação que se estabelecia não era puramente uma de exploração, mas uma de troca de benefícios (talvez daí o termo inglês antigo para promessa, wedd, tenha dado origem ao termo para casamento, wedding). Em um documento legal medieval norueguês, igualmente lemos que siðan skal han falla a kne firir kononge oc lœggia baðar sinar hendr saman ok konongr sinar baðar um bans bœndr (Hirdskraa 423, § 31), isto é, "então ele deve cair de joelhos diante do cyning e trazer ambas suas mãos juntas".

As palavras usadas nas promessas, por outro lado, obviamente variavam de caso para caso, embora algumas características sejam comuns. Um outro exemplo histórico:
"Þa hit aræd wæs, þa bæd ic hy ealle for minre lufan, & him min wedd bead þæt ic hyra næfre nænne ne oncuðe forþon þe hy on riht spræcon, & þæt hyra nan ne wandode ne for minan lufan ne for minum ege þæt hy þæt folcriht arehton, þy læs ænig man cweðe þæt ic mine mægcild oððe yldran oððe gingran mid wo fordemde" (Ælfrēd cyning).
(Quando aquilo havia sido lido, amor por mim eu pedi a todos, e ofereci a eles minha promessa de que eu nunca carregaria rancor contra nenhum deles pois eles falaram corretamente, e que nenhum deles também por amor a mim nem por medo de mim hesitaria proclamar a lei comum, a menos que qualquer homem devesse dizer que eu errei contra minhas queridas crianças, seja mais jovem ou mais velha).

Pares de palavras merecem atenção especial: wedd and āþ (promessa e juramento), mid wordum and mid weorcum (com palavras e com obras) reforçam as duas dimensões entendíveis da atitude de jurar e prometer; e asseveram a continuidade da ação através da palavra e vice-versa [1]. Cabe lembrar que, neste caso, a mentira é impossível, eles precisam ser confirmados mid rihte and wærlice, isto é, "com justiça e verdadeiramente". Na Sturlungasaga, evidencia-se como esse tipo de contrato era realizado baseado em trú e tryggur, isto é, "fé, fidelidade" e "lealdade", como na expressão og ver oss nú tryggur, "seja fiel a nós"  [2].

Tudo isso valia para qualquer tipo de promessa: transferência de bens ou posse, lealdade, paz, adesão a um determinado conjunto de regras locais, associação de paz (friþġegyld), etc. Outro tema recorrente é o da promessa de não ferir aquele a quem se jura, como visto no exemplo do cyning Ælfrēd acima.

Um exemplo moderno, perfeitamente encaixado no modo de pensar da linguagem de juramentos germânica, seria algo como:
Eu prometo lealdade a X cynred, e vou honrar a todos os seus membros através de palavras e obras, com fidelidade e sem traição...
Parte essencial da própria linguagem da promessa ou juramento, todavia, referia-se ao "caução" da promessa, isto é, aquilo sobre o qual se jurava. O símbolo básico era certamente o anel; ele era, além de usado nas mãos, também preso ao punho de espadas, e certamente era conhecido dos anglo-saxões em seus tempos pré-cristãos, assim como era dos invasores nórdicos posteriores. Jurar em aneis de juramento (oath-rings) era provavelmente uma tradição inglesa, uma vez que na Crônica Anglo-Saxã os ingleses iniciaram o juramento do cyning Ælfrēd em um acordo que durou pouco com os wicingas, e, além disso, o cronista pressupôs um conhecimento geral do conceito de um anel de juramentos sagrado, o qual deveria ser de conhecimento dos anglo-saxões, ao dizer him þa aþas sworon on þam halgan beage, "eles fizeram juramentos para ele sobre um anel sagrado". O cronista ainda comenta que isso foi algo que os escandinavos fizeram a contra-gosto, uma vez que entre eles os juramentos tinham diversos níveis de valor, sendo o proferido sobre um anel sagrado o mais alto, e os anglo-saxões estavam muito bem cientes disso [5].

Outros elementos sobre os quais se jura, todavia, também aparecem pela poesia nórdica: "navio, cavalo e espada", "água brilhante de Leift e pedra de Unn" no Helgakviða Hundingsbana Önnur; "anel", no Hávamál; "Sol, a montanha do deus da guerra, cama nupcial e anel de Ullr" no Atlikviða; "transformação do juramento em maldição" em Helgakviða Hundingsbana Önnur e Atlikviða e "uma pedra branca sagrada", na Gúþrunarkviða Fyrsta, são exemplos suficientes da variedade de sujeitos não-humanos que poderiam fiar as palavras.

Assim, juramentos e promessas foram frequentemente feitos sobre armas, em especial a que pertence àquele para quem se jura, e acreditava-se que ela voltaria-se contra o quebrador de palavra. Mas a promessa também poderia ser feita sobre a própria arma: quando Paris foi capturado e mantido prisioneiro em 845, Ragnarr e outros líderes wicingas foram ao rei e juraram por seus deuses e suas armas que eles nunca mais entrariam em seus domínios a menos que eles fossem aliados. Sabe-se ainda que os dinamarqueses jurariam por suas espadas e escudos, e deixariam de lado as armas de lançamento (como arcos e lanças) [5].

Na Vǫlundarkviða, o cyning Niðhad (Nidud), após ver Wēland (Vǫlundr) livre, a quem ele havia preso e mutilado, e receber a notícia da morte de seus filhos por Wēland, é feito jurar não ferir Beadohild, sua filha, a quem ele não sabia ter sido engravidada por Wēland como vingança. O cyning então jura at scips borði / oc at scialdar rǫnd, at mars bægi / oc at mækis egg, isto é, "pelo lado do navio e a borda do escudo, as costas do cavalo e o gume de uma lâmina". Esses abundantes exemplos de armas e utensílios que aos modernos parecem inanimados mas que eram literalmente testemunhas, fiadores e cobradores de juramentos certamente se fundava numa visão animista, na qual esses objetos eram entendidos como sujeitos dotados de personalidade própria, capazes de volver-se contra os quebradores de palavra, levando-os à derrota e à morte. Exemplos disso não são inexistentes (tome-se a espada Freyr ou a lança de Óðinn na Edda em Prosa como exemplo), e eles justificam-se perfeitamente dentro de uma cultura que encontra o ser humano em um nível razoavelmente equiparável com o resto da natureza material, seja ela biologicamente viva ou não. Com a conversão, as relíquias de santos substituem o local das lâminas vivas e escudos, mas o centro heathen do ritual permanece o mesmo [5].

Se por um lado armas eram testemunhas e cobradoras de juramentos quebrados, afastar-se de armas antes de fazer um juramento, por outro lado, teria sido uma prática comum entre os wicingas. Em 941, os heathens entre os rus, antes de jurar para os representantes em Constantinopla, deviam deitar seus escudos, espadas desembainhadas, braceletes e suas outras armas. Isso seria consistente com a ideia de deixar armas fora do espaço sagrado (assumindo então que jurar ou prometer era uma prática sacralizada na visão heathen) mencionada por Tácito.

O encerramento do juramento ou promessa se daria também de forma ritual: en sa sem gerizt skal taka högre hendi sinni neðan undir omanet oc minnazt siðan uið hond konongs oc svœria eeið með þœima œiðstaf oc hirðmaðr. siðan skal han ganga til handsals vio logunauta sina (Hirdskraa 439, § 43), isto é, "e como é feito, ele deve manter-se com sua mão direita abaixo da espada, e então beijar a mão do cyning e fazer o juramento nas palavras prescritas, e então ele, como hirðmaðr [grosseiramente correspondendo ao þeġn inglês], deve ir cumprimentar com aperto de mãos os seus companheiros". O aperto de mãos era e ainda hoje é um sinal de fechamento de contratos e acordos, como é desnecessário lembrar.

Outra situação onde a literatura germânica pode ajudar é no caso específico de juramentos:
Egill fram fjárheimtu, en Atli bauð logvorn í mót, tylfareiða, at hann hefði ekki fé þat at varðveita, er Egill ætti.  Ok er Atli gekk at dómum með eiðalið sitt, þá gekk Egill mót honum ok segir, at eigi vill hann eiða hans taka fyrir fé sitt (Egils saga Skalla-Grímssonar).
(Egill apresentou uma reivindicação financeira, e Atli ofereceu uma defesa legal contra a acusação, um juramento de vinte [testemunhas], que ele não tinha em suas posses dinheiro que pertencia a Egill. E quando Atli foi diante da corte com os que jurariam, então Egill foi encontrá-lo e disse que ele não aceitaria os juramentos em troca de seu próprio dinheiro).
Essa passagem nos diz muito sobre a função do juramento no ritual legal entre os islandeses. Primeiro, Atli usa-se de vinte pessoas, o número máximo de testemunhas, para apoiar sua causa. Em casos de acusações de crimes, o procedimento legal comum é que pessoas testemunhassem com juramentos pela inocência de um réu. O uso do número máximo possível atesta a gravidade da acusação e o esforço de Atli para livrar-se através dos juramentos de outros. Isso já também nos diz que terceiros poderiam usar de suas reputações em juramentos para solver problemas ou causas de outrém. Por fim, como consequência disso, esses juramentos são dependentes da própria reputação do acusado, em suma, o juramento tem a mesma força da reputação de quem o profere. A reputação daquele que jura é uma espécie de "capital pessoal", um valor imaterial ou medida das palavras proferidas. Esse capital pessoal poderia ser aumentado ou diminuído, através de ações e palavras [3].

* * *

Embora o tipo central de promessa e juramento majoritariamente discutido aqui seja o de fidelidade a um dryhten, por ser o tipo mais elevado e complexo, o modelo serve de inspiração para o heathen anglo-saxão diligente entender a dinâmica do pronunciamento de juramentos e promessas sob uma ótica pagã, sua importância e funcionamento, e adaptar isso à sua vida pessoal e prática. Como ficou visto, esse era um tipo de atitude essencialmente prestado de humano para humano; para humano e os ēse ou wihta basicamente o modelo de prece básico é o suficiente.

Anexo: Juramento Anglo-Saxão

ĐUS MAN SCEAL SWERIGEAN HYLD-AĐAS.
On þone Drihten þe þes haligdom is fore halig, ic wille beon N. hold and getriwe, and eal lufian þæt he lufað, and eal arcunian þæt he arcunað, æfter Godes rihte and æfter woroldgerysnum, and næfre willes ne gewealdes, wordes ne weorces, owiht don þæs him laðre bið þam þe he me healde swa ic earnian wille, and eall þæt læste þæt  uncer formæl wæs þa ic to him geseah and his willan geceas.

"ASSIM DEVE UM HOMEM FAZER JURAMENTOS DE LEALDADE. 

Pelo Dryhten, diante do qual esta relíquia é sagrada, eu quero ser fiel e verdadeiro a N., e amar tudo que ele ama, e evitar tudo que ele evita, de acordo com a lei de Deus, e de acordo com os princípios do mundo, e nunca, nem por vontade nem pela força, pela palavra ou pelas obras, fazer nada do que é avesso a ele, para que ele me mantenha como quero receber, e tudo que realize que nosso acordo foi quando eu a ele me submeti e escolhi sua vontade".

REFERÊNCIAS:

[1] AMMON, Mathias, 2013. ‘Ge mid wedde ge mid aðe’: the functions of oath and pledge in Anglo-Saxon legal culture.
[2] CATTANEO, Grégory. The Oath of Fidelity in Iceland: A Tie of Feudal Allegiance.
[3] LAING, Gregory L., 2014. Bound by Words: Oath-taking and Oath-breaking in Medieval Iceland and Anglo-Saxon England.
[4] OREL, Vladimir, 2003. A Handbook of Germanic Etymology.
[5] RIISOY, Anne Irene, 2016. Performing Oaths in Eddic Poetry: Viking Age Fact or Medieval Fiction?
[6] Oxford's Learners Dictionary.


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