Culto de Árvores e Pilares

Hām » Ritual » Culto de Árvores e Pilares



Siglas:

I.A.: Inglês Antigo;
I.Mo.: Inglês Moderno;
N.A.: Nórdico Antigo.


Introdução

Entre os povos germânicos existem diversas evidências escritas e materiais de que árvores e pilares tiveram um status sagrado ou quase-divino antes da conversão (e, surpreendentemente, muito tempo depois dela também). Neste artigo iremos discutir as relações entre as ideias que os primeiros cristãos ingleses e continentais tiveram tanto de árvores quanto da cruz e outros pilares, evidenciando o conteúdo puramente heathen que subjaz sob a aparente face cristã, reconstruindo um culto de árvores consistente com as ideias do Fyrnsidu  moderno, profundamente enraizado no que sabemos dos heathenismos antigos.

O plano de fundo conceitual dos paganismos nativos dos anglo-saxões consistia de uma teia de cultos aparentados e com variações regionais, embora várias ideias fossem reincidentes entre eles, como a atribuição de vida à matéria, mesmo a que não é assim reconhecida como biologicamente viva na atualidade. Basicamente, em um mundo pagão, tudo é vivo e possui consciência, ou seja, é capaz de se relacionar com a comunidade humana e ter uma personalidade. Na atualidade, a antropologia costuma chamar isso de "animismo" [6], embora não chame a visão moderna em contrapartida de "inanimismo", dando ares de que a maneira de pensar moderna é essencialmente mais correta que a de outros povos, o que ela claramente não é.

Como a maior parte ou todo do material com o qual lidaremos aqui é certamente pós-conversão, todavia, o maior número das evidências diretas desse sistema de entendimento foram ou totalmente negligenciadas, ou caricaturizadas em relatos propagandísticos cristãos, ou, por outro lado, eram fortes o suficiente para terem sido incorporados sob a retórica cristã sob a forma de sincretismo, ressignificados dentro da doutrina romano-judaica. Essa basicamente foi a tática do papa Gregório para converter os ingleses [3].

Os cultos de árvores (I.A. trēowweorþung) e outros elementos naturais como pedras e fontes de água foram expressamente proibidos entre os anglo-saxões por decretos reais como os Cânones do Rei Edgar de cerca 959 e as Leis do Rei Cnut do século XI [7]. Tais proibições são a nossa mais direta evidência de que esse era de fato um costume observado entre os ancestrais heathens ingleses, e que serve como ponto de partida para o entendimento de como ele se dava na prática.

No pensamento indo-europeu a árvore ocupa um lugar central no ordenamento da realidade material, a partir da ideia de que todo o mundo se organiza em torno de uma árvore, que por isso chama-se eixo do mundo (axis-mundi). Sua copa sustenta os céus e as moradas dos deuses, suas raízes vão profundamente no submundo dos mortos e o lugar onde os homens vivem fica entre esses dois polos [1]. Os reflexos mais conhecidos disso nos povos germânicos são a árvore Yggdrasill, registrada nas Eddas do século XIII entre os escandinavos e o pilar Irminsûl dos saxões continentais, na Translatio Sancti Alexandri.

Yggdrasil, Irminsûl e o Carvalho de Donar como axis-mundi

Yggdrasil em nórdico antigo é um termo composto de yggr, em si um dos kennings ou nomes poéticos de Óðinn, que significa "o terrível"; e -drasill, significando "cavalo", então ela seria o "cavalo de Óðinn". O nome pode implicar duplamente tanto o sacrifício de Óðinn relatado no Hávamál, quanto, similar a outros sistemas de conhecimento pré-cristãos indo-europeus, uma espécie de estrada percorrida pelo psicopompo (divindade que leva os vivos para o mundo dos mortos): "montar na forca" (riding the gallows) é uma metáfora comum para ser enforcado, como retratado no poema Beowulf, quando o poeta anônimo diz que é triste para um homem velho þæt his byre ride giong on galgan, "que seu filho monte jovem na forca" (versos 2445-6), ecoando bastante bem no verso 40 d'O Sonho com a Cruz, o qual diz que gestah he on gealgan heanne, "ele (o messias) montou na alta forca", uma clara germanização da história judaico-romana [3].

Yggdrasill é referida como um freixo (N.A. askr) em dez instâncias na Edda Poética: Vǫluspá 19 e 48, Grímnismál 29, 30, 31, 32, 34, 35 e 44 e Forspjallsljóð (Hrafnagaldr Óðins) 6. No Livro de Cura Natural de Bald (Bald's Leechbook) o freixo (I.A. æsc) é ingrediente em receitas contra manchas no rosto, dor na coxa, lepra, herpes-zóster, feridas, 'doenças secas', corpo comido por vermes, paralisia e boca torta. Yggdrasill está sobre a Fonte de Urðr, isto é, a fonte do "destino" (Vǫluspá 19), e será igualmente derrubada na destruição do mundo material (Vǫluspá 48). Þórr e os æsir vão até Yggdrasill dar "conselho, julgamento, conversa" (N.A. dæma) (Grímnismál 29, 30). Suas raízes vão em três direções: uma para Hel, deusa do submundo, a outra para os Hrímþursar ( "gigantes" de gelo), e a terceira para a humanidade (Grímnismál 31). Sete serpentes, Níðhǫggr, Góinn, Móinn, Grábakr, Grafvǫlluðr, Ófnir e Sváfnir, roem as raízes do freixo (Grímnismál 32 e 34).

Sobre o Irminsûl dos saxões continentais, por outro lado, os detalhes são menos abundantes embora não menos importantes. Em pleno século IX é dito que os saxões da Alemanha ainda
"costumavam cultuar árvores foliformes e fontes de água. Além disso, eles cultuaram um tronco de madeira de não menor magnitude altamente levantado sob o céu, chamando-o em sua língua nativa Irminsûl, que em latim significa universalis columna [coluna universal], como se ele estivesse sustentando todas as coisas" (Roberto de Fulda, Translatio Sancti Alexandri).
A palavra "Irminsûl" é composto de: irmin-, cognato de eormen (I.A.) e jǫrmun (N.A.), significa "grande, poderoso"; e -sûl, cognato de syl (I.A.) e súl (N.A.), "pilar", então a tradução de Roberto de Fulda em latim como columna universalis parece bastante acertada. O mais antigo registro do pilar o descreve como um fanum, isto é, um santuário ou templo. O fim do Irminsûl não foi exatamente dos melhores [3]. Ele foi derrubado pelo tirano franco Carlos Magno, em seus sanguinários esforços para submeter os antigos saxões continentais tanto ao credo romano quanto ao seu próprio poder político; o paganismo dos saxões era um empecilho contra o avanço e expansão do que viria a ser a Europa. A tática de conversão violenta e mesmo genocida de Carlos Magno, que chegou a assassinar 4.500 saxões pagãos de uma única vez, encontrava suas origens nas profanações de Bonifácio que estava envolvido no "famoso incidente da derrubada do carvalho sagrado [...] de Geismar enquanto uma grande multidão de pagãos permanecia silenciosamente amaldiçoando Bonifácio como o inimigo de seus deuses, e ocultando o seu choque e ódio em seus corações".

Pouco adiante, o texto continua:
 "Ele ousou cortar a árvore de tremendo tamanho [...], localizada num local chamado Gaesmere, com os servidores de deus todos permanecendo ao seu lado. Enquanto ele, fortalecido por sua inabalável determinação, derrubava a árvore, havia um grande número de pagãos presente que permaneceu amaldiçoando este inimigo dos seus deuses sob seus peitos com o maior fervor" (Vita Bonifatii auctore Willibaldi).
Isto aconteceu na antiga Frísia (Geismar localiza-se no atual estado alemão de Hesse) do século IX, e Chadwick entre outros confirmam que este era o "Carvalho de Iupiter" (Iupiter aqui é identificado com Donar, que é cognato de Þórr e Þunor) [2]. A Frísia era muito próxima da terra natal dos saxões, e o próprio Bonifácio era na verdade um missionário inglês. O culto das árvores salta aos olhos de duas formas diferentes, em decorrência disso. Primeiro, se a atestação é indireta, isto é, frísia e não (anglo-)saxã, por outro lado, Bonifácio estava bastante bem informado de "como" heathens tinham em alta conta o culto de árvores como seres sagrados. Isso já é evidência suficiente da importância das árvores e pilares entre os germânicos, e que certamente encontrava paralelos nos anglo-saxões da Grã-Bretanha que deles vinham. Importantíssimo observar, tanto Chadwick quanto Kay destacam que a destruição de árvores sagradas era observado com muito mais repugnância pelos antigos heathens que a destruição de templos em si.

Podemos perceber, nos três relatos, que a árvore essencialmente preserva suas qualidades indo-europeias, embora elas sejam mais ligadas a funções por assim dizer "cósmicas", que, embora essenciais, fazem parte da ordenação geral das coisas. Todavia, Eric Lacharity em seu compreensivo estudo sobre o culto de árvores entre os francos, apresenta as árvores com outras características adicionais, mais ligadas ao dia-a-dia da humanidade: a capacidade de curar, de funcionar como um santuário ou refúgio para perseguidos (I.A. friþġeard), como local onde assembleias e festas eram realizadas, recebendo ofertas de sacrifícios e alimentos. A maior parte disso sobreviveu muito tempo depois da conversão ao cristianismo (exceto as ofertas), embora o poder que antes era reconhecido como pertencendo à árvore em si passasse a ser associado à imagem de algum santo ou mártir que era afixada ao local. Como exposto adiante, essa seria apenas uma das facetas da incorporação do culto de árvores e pilares pelo cristianismo [5].

O culto de pilares e árvores em O Sonho com a Cruz e Heliand

Na literatura inglesa antiga, entretanto, ambos os motivos parecem ter se fundido, e ter havido maior margem para absorção, como estabelecido por Gregório,  que mera destruição das práticas heathens. Em primeiro lugar, o cristianismo inicial dos anglo-saxões era uma religião guerreira onde o gentil messias judaico tornava-se um príncipe tribal (I.A. æþeling), líder de grupo de guerreiros (I.A. dryhten) e herói guerreiro (I.A. hæleþ), destacado por sua coragem e nobreza (I.A. æþel), todos valores imputados igualmente aos maiores líderes militares. Como visto em poemas como O Sonho com a Cruz (The Dream of the Rood) e o evangelho épico saxão continental Heliand, a história básica mediterrânea foi totalmente reinterpretada em termos da elite guerreira germânica nos períodos iniciais da "conversão" oficial. Outro sinal importante da parcial conversão foi a posição atribuída a personalidades não-humanas (other-than-human persons) dentro da antiga poesia (anglo-)saxã, bastante coerente com o ethos (cultura, maneira de ser e pensar) dos heathens.

Nesse sentido, o poema O Sonho com a Cruz apresenta o tema da crucificação sob a voz da própria cruz-pilar (I.A. d), em um sonho, para o poeta. A forma final a qual foi escrita é datada do século XI, embora grandes paralelos entre ele e os versos da inscrição rúnica em Fuþorc (o alfabeto anglo-saxão) da Cruz de Ruthwell, datada do século VIII, são percebidos. Neste monumento de pedra a inscrição contem também uma fala em primeira pessoa retratando a história da crucificação a partir do ponto de vista da cruz, junto com ilustrações cristãs com estética pagã [3]. Analisada só por isso, a Cruz de Ruthwell já é capaz de nos mostrar as primeiras características a se esperar de pilares em tempos heathens, por destacar do que o cristianismo comumente espera: (a) (auto)consciência, (b) capacidade de falar por si mesma (ainda que através de letras rúnicas) e (c) sua extensão retratando eventos mitológicos relevantes para os anglo-saxões através de gravuras.

O próprio nome dado modernamente ao poema registrado no Livro de Vercelli é algo que merece discussão. "Rood" em inglês moderno é encontrado dentro do próprio poema em versos como Crist wæs on rōd, onde "d" pode ser traduzido não só como cruz, mas qualquer tipo de pilar ou coluna (de madeira). Como Kendall sugere:
"Cruzes e visões não são exclusivos. Árvores sagradas foram uma característica presente em todos os locais das religiões do norte e oeste da Europa. Os missionários anglo-saxões tanto nas Ilhas Britânicas como no continente orgulhavam-se de derrubar estes objetos de idolatria. De uma perspectiva antropológica independente, pode se questionar se os missionários realmente obtiveram sucesso em erradicar o culto ou veneração das árvores. A veneração da cruz pode ser visto desta perspectiva como um deslocamento do culto de árvores" [3].
Analisando os versos iniciais d'O Sonho com a Cruz fica realmente evidente o quão acertada a opinião de Kendall está, e o quanto árvore (I.A. trēow) e cruz-pilar (I.A. d) são intercambiáveis no poema, inclusive com a ausência de um termo específico para "cruz" (i.e. paus cruzados onde pessoas eram mortas) como o inglês moderno "cross":

Þuhte me þæt ic gesawe     syllicre treow
on lyft lædan,     leohte bewunden,
beama beorhtost.     Eall þæt beacen wæs
begoten mid golde.     Gimmas stodon
fægere æt foldan sceatum,     swylce þær fife wæron
uppe on þam eaxlegespanne.     Beheoldon þær engel dryhtnes ealle,
fægere þurh forðgesceaft.     Ne wæs ðær huru fracodes gealga,
ac hine þær beheoldon     halige gastas,
men ofer moldan,     ond eall þeos mære gesceaft.
Syllic wæs se sigebeam,     ond ic synnum fah,
forwunded mid wommum.     Geseah ic wuldres treow,
wædum geweorðode,     wynnum scinan,
gegyred mid golde;     gimmas hæfdon
bewrigene weorðlice     wealdendes treow " (O Sonho com a Cruz ). 

"Pareceu-me que eu havia visto uma árvore muito maravilhosa levantada no ar, envolta na luz, a mais brilhante das hastes. Todo aquele farol estava coberto com ouro. Gemas situavam-se belamente na superfície da terra, bem como haviam cinco acima, na junção central. Admiravam ali todos os anjos do dryhten, os justos através da criação. Nem havia lá forcas de criminosos certamente, mas para ele olhavam fixamente santos espíritos, homens sobre a terra, e toda a esplêndida criação. Maravilhosa era aquela árvore-da-vitória, e eu manchado pelo pecado, severamente ferido com o mal. Eu vi a árvore da glória,  ornada com mantos, alegremente a brilhar adornada com ouro, gemas tinham coberto nobremente a árvore do soberano sobre vários povos [wealdend]".

Essa densa passagem, que precede o monólogo da própria d (cruz-pilar), possui interessantíssimas características. Primeiro, o Irminsûl foi saqueado por Carlos Magno e não apenas derrubado, isto é, os tesouros que ali eram depositados pelos saxões, possivelmente enterrados, foram retirados do local sagrado, o que implica que ele era lotado de ouro, metais e pedras valiosas, e é basicamente o que vemos o poeta d'O Sonho com a Cruz confirmar para o seu pilar. Segundo, os anjos e santos e toda a criação observam a d, o que é um indicador, também, de que se trata de um pilar reverenciável, o axis-mundi em si, com uma nova roupagem. Terceiro, as fracodes gealga (forcas de criminosos), são uma característica essencialmente germânica, como destaca Kay, e o próprio deus apresentado como cyning dos æsir (deuses) escandinavos, Óðinn, possui kennings, nomes poéticos, que o identificam como "deus dos enforcados", provavelmente aludindo a sacrifícios humanos a esse deus, além do que já foi acima discutido sobre o enforcamento entre os germânicos [3]. Adiante, quando a própria d começa a falar, fica evidente, também, que ela é um ente animista, ocupando um papel impensável dentro da ortodoxia monoteísta mediterrânea, embora totalmente reconhecível e lógico dentro de uma visão heathen de mundo.

Igualmente no épico saxão continental Heliand, encontramos uma tentativa de descrever o messias e seu ambiente correspondendo às expectativas da "antiga lei" do Norte. Nele, a cruz é descrita não como um tipo de forca secular, mas como a mais religiosamente familiar bôm an berege, "árvore na montanha", onde não apenas sacrifícios eram feitos mas também criminosos eram punidos com o enforcamento [3].

O culto de bosques, os deuses fundadores, os cavalos, as fontes de água e sacrifícios

Kay argumenta que a ligação entre cavalos, fontes e sacrifícios no mundo germânico pré-conversão foi forte o suficiente, como demonstrado nos argumentos acima. Tácito cita que os cavalos sagrados (que eram aliás, entendidos como tendo mais proximidade com os deuses que os próprios sacerdotes) viviam em bosques e não eram submetidos ao trabalho mundano. Como já vimos, na Edda Poética o eixo do mundo localiza-se junto à fonte do "destino"; e igualmente no templo em Uppsala a árvore sagrada ficava próxima a uma fonte, e tanto árvores quanto fontes eram usados para cumprir penas de morte, sendo que a vítima poderia ter sido colocada em cima de um cavalo antes de ser enforcada em uma árvore, segundo Kay.

No século XI em sua Gesta Hammaburgensis ecclesiae pontificum, Adam de Bremen repete o relato da destruição do Irminsûl por Carlos Magno e então discorre sobre os rituais que aconteciam em Uppsala, Suécia, com sacrifícios a cada nove anos. Um total de 72 vítimas humanas e animais todas masculinas eram oferecidas nos nove dias de festival próximo ao equinócio de outono; os corpos eram pendurados próximos ao templo, num bosque que era considerado tão sagrado e as árvores divinas em si mesmas por alimentarem-se dos mortos [3]. Bosques são antigos conhecidos dos germânicos como locais povoados por árvores sagradas: na Origine e Situ Gentis Germanorum, Tácito diz que os Semnones fizeram rituais em bosques sagrados graças a eras de cultos de seus ancestrais, rituais que iniciavam-se com um sacrifício humano, como reverência ao bosque. Ninguém ali entraria a menos que amarrado com uma corda, e se caísse, não levantaria, mas, ao contrário, rolaria pelo chão, reconhecendo a força do poder sobrenatural ali reunido.

Para Chadwick, Tácito diz que os germânicos de sua época representavam todos os deuses através de bosques e florestas, em vez de simplesmente templos e ídolos. Na Helgakviða Hundingsbana II, na Edda Poética encontramos algo similar:  Dagr sacrifica para Óðinn em Fjǫturlundr, I.Mo. "fetter-grove", algo como "bosque que prende", e o deus caolho em resposta lhe concede sua lança. Reflexos disso podem ser vistos em topônimos (nomes de lugar) como Þunres lēah em Essex, que literalmente significam "clareira [na floresta] de Þunor", embora o termo ah também possa ter significado "bosque" em tempos primevos [8].

Kay ainda argumenta que o culto de divindades maiores pode ter sido assimilado e identificado com árvores, como demonstrado pelos nomes Yggdrasill, referindo-se a Óðinn e Irminsûl, do qual a primeira parte irmin- pode estar ligado ao nome da tribo dos hermiones, e representar uma deidade perdida, *Hermin [3]. Os hermiones teriam origem junto dos ingaevones (comumente associados com Ing, isto é Freyr), o que apontaria, por outro lado, para que essa identificação de árvore e divindade acontecia com um típico específico de deuses, isto é, os progenitores, já que Óðinn e Wōden também são conhecidos como fundadores de nações e casas reais. Mesmo Þórr é outro ás que por seus cognatos no mundo germânico também parece ter sido entendido como um pai de povos em algum momento, embora isso seja de difícil comprovação. Essa associação entre divindades fundadoras mais facilmente ligariam árvores com culto de ancestrais, inclusive.

Num estágio tardio, é possível que o culto de árvores tenha desembocado em um novo tipo de culto, o de pilares, sem que o anterior tivesse sido perdido ou enfraquecido, todavia [3]. Chadwick, entretanto, argumenta que o carvalho era observado como uma divindade (do trovão) em si mesmo, e que apenas tardiamente passa a ser entendido "apenas" como a habitação do deus, baseado nos argumentos de Frazer.

Como seres protetores, Chadwick associa a vårdträd (árvore guardiã), onde o espírito protetor da propriedade habitaria, com o antigo culto de árvores ao redor de locais sagrados mencionado por Tácito, e com Glasir, a árvore ou bosque que estaria adjacente ao salão de Óðinn, o Valhǫll.

Essas características, somados com a autorização do papa Gregório do uso de elementos pagãos e sua ressignificação dentro do credo de Roma, certamente levaram o culto de árvores e pilares a se transformar no culto da cruz no período cristão.

É notável destacar também como as árvores aparecem nos poemas rúnicos. No poema islandês temos apenas a bétula (N.A. bjarkan); no norueguês tem-se além dela também o teixo (N.A. ýr); já o poema inglês não tem menos de quatro letras rúnicas associadas com árvores: teixo (I.A. eoh), bétula (I.A. beorc), carvalho (I.A. āc) e freixo (I.A. æsc). A bétula aparece nos três casos como uma árvore jovial, e o poema norueguês ainda a liga a Loki. O mesmo poema ainda destaca característica semelhante para o teixo, e diz que ele às vezes crepita ao queimar. No poema em inglês antigo ele é referido como hyrde fyres, isto é, "guardião do fogo" e wyn on eþle "alegria na terra natal"; o freixo é muito alto e querido por todos, e resiste o ataque de muitos homens; e o carvalho por fim é especialmente reverenciado por alimentar os homens com carne (embora isso seja uma afirmação um tanto obscura) e seus usos como madeira em embarcações e resistência contra o mar [5].

No Hávamál, estrofe 139, o carvalho é dito ser eficiente contra constipação (N.A. abbindi).  No Livro de Cura Natural de Bald o carvalho (I.A. āc) aparece como ingrediente em receitas contra dores na coxa, feridas de vários tipos, em especial as no pé pelo gelo, mas também câncer, piolhos, vermes da carne, secreção dos joelhos, doença no pulmão, tosse e elefantíase. No salão do palácio dos Vǫlsungs, havia um caule de carvalho em pé, com seus galhos e folhas espalhando-se por sobre o teto.

O carvalho e o deus do trovão

Mas a associação entre o carvalho (N.A. eik) e Þórr não deve ser menos importante, para além do já citado "Carvalho de Donar" dos Frísios. Zeus, Iupiter e Perkuno (divindades relacionadas com Þórr por Chadwick, embora apenas Perkuno seja um cognato) também são ligados ao carvalho. De Perkuno, deus do trovão dos prussianos, é importante aliás se dizer que ele habitaria em um carvalho sagrado em Romove.

Chadwick declara que a figura de Þórr foi gravada sobre os ǫndvegissúlur (N.A.), "pilares do alto trono", o lugar de honra reservado ao líder da casa. Reverência foi prestada a esses pilares, como é possível ver em histórias da colonização da Islândia, por exemplo quando  Þórolfr lançou-os ao mar, numa clara forma de pedir auxílio aos pilares sobre qual local deveria estabelecer-se, aceitando onde os pilares encalharam para fazer sua habitação. Hallsteinn, filho de Þórolfr, suplicou a Þórr para enviar os pilares do seu alto trono. Sacrifícios humanos eram associados a Þórr, e a forma da execução curiosamente envolvia ferramentas de madeira.  Þurstapell (I.A.) em Essex é um nome que parece também associar Þunor diretamente às colunas: o nome literalmente significa "Pilar de Þunor".

Asseverando a ligação entre Þórr, árvores e juramentos e assembleias, na Islândia a assembleia de todos (N.A. alþingi) ocorria no dia de Þórr (quinta-feira), que era mais provavelmente o deus das assembleias segundo Chadwick, que ainda relata que esse era o dia na Alemanha onde casamentos eram preferencialmente realizados. Isso não parece nada estranho, principalmente se considerarmos as ligações entre as palavras em inglês antigo para árvore (I.A. trēow) e lealdade (I.A. trēowe) ou a palavra antiga para pomessa (I.A. wedd) e a palavra moderna para casamento (I.Mo. wedding): a relação etimológica e semântica dos pares apresenta igualmente uma proximidade entre todos esses conceitos.


RECONSTRUÇÃO E USO PRÁTICO

Sendo assim, podemos basear um culto de árvores no Fyrnsidu moderno a partir das seguintes ideias:

  1. Um pilar ou árvore antiga pode ser reconhecido pelo grupo de praticantes como foco de culto como axis-mundi, sustentando toda a vida.
  2. Esse pilar ou árvore pode ser reverenciado com sacrifícios e ofertas diretamente para si, especialmente de alimentos e bens materiais.
  3. Festividades e banquetes (symbel) podem ocorrer sob o pilar ou árvore.
  4. O pilar ou árvore é um local ideal para assembleia (ġemōt) onde decisões ou julgamentos da comunidade são feitos, e ainda é um local perfeito onde a execução de solenidades envolvidas com juramentos, como admissão de novos membros no grupo, casamentos, promessas de lealdade e juramentos de toda a espécie podem acontecer.
  5. A árvore sagrada pode ser também ponto de ofertas para os ēse, e especialmente Wōden, se quiser-se assumir uma antiga identidade dos temas mitológicos deste com o escandinavo Óðinn.
  6. A árvore sagrada tem poderes curativos.
  7. A árvore sagrada é um friþġeard, um local onde a paz deve ser mantida e aqueles que possuem dívidas para com a comunidade não devem ser perseguidos. Em decorrência disso, a árvore tem poderes protetores.
  8. A árvore sagrada é consciente de si e pode oferecer inspiração ou conselhos aos humanos.
  9. A árvore tem contato com divindades progenitoras (como Wōden, Ing, Ġēat e Seaxnēat) e ancestrais.

REFERÊNCIAS

[1] West, M. L., 2007. Indo-European Poetry and Myth. pp. 345-347.
[2] Chadwick, H. Munro, 1900. The Oak and the Thunder God.
[3] Kay, Matthew Philip, 2015. The Hanged-God: The influence of pre-Christian literary motifs on the depictions of the crucifixion in The Dream of the Rood and Hêliand.
[4] Lacharity, Eric 2012. Tree Cults in Frankish Heathenism. Em: Óðrœrir: The Heathen Journal.
[5] Medeiros, Elton O. S., 2015. "Ráðna stafi, mjǫk stóra stafi, mjǫk stinna stafi": Tradução comentada dos poemas rúnicos anglo-saxão, islandês, norueguês e do Abecedarium Nordmannicum.
[6] Bird-David, Nurit, 1999. “Animism” Revisited: Personhood, Environment, and Relational Epistemology. <http://lchc.ucsd.edu/mca/Mail/xmcamail.2012_08.dir/pdfFNa83UDbvD.pdf>
[7] Thorpe, Benjamin et al. 1840. Ancient Laws and Institutes of England.
[8] Anônimo, 2014. Heathen and mythological elements in English place-names.
Anônimo. Bald's Leechbook. In: Cockayne, Oswald 1863. Leechdoms, wortcunning and starcraft of Early England.
Anônimo, 2014. The Poetic Edda: Northvegr Edition. Transl. by Benjamin Thorpe.

Curta no Facebook